Gueto de Kovno
Os nazistas acreditavam que poderiam destruir os judeus de Kovno e apagar as evidências do que aconteceu nesse gueto. Mas os alemães não levaram em consideração o espírito dos judeus aprisionados ali.
Quando o exército nazista entrou nos países bálticos, durante a marcha para Leningrado, no verão de 1941, as tropas e os einsatzgruppen (esquadrões de morte) que o acompanhavam procuraram e mataram dezenas de milhares de judeus lituânios. Cerca de 225 mil judeus moravam na Lituânia em junho de 1941. Em dezembro do mesmo ano, os alemães e seus colaboradores já tinham matado mais de 136 mil homens, mulheres e crianças judias.
Os 29 mil judeus da cidade de Kovno (Kaunas) que sobreviveram à perseguição inicial foram forçados a se isolar dentro de um gueto nos confins do subúrbio de Vilijampole (conhecido pelos moradores judeus como Slobodka). Durante três horripilantes anos, os judeus do gueto de Kovno serviram como força de trabalho para os alemães, e viram sua comunidade diminuir com os assassinatos em massa e deportações.
Os judeus moravam em Kovno há mais de 500 anos. Antes da guerra, Kovno, uma cidade européia moderna, era o lar de mais de 30 mil judeus – quase um quarto da população total da cidade. Eles formavam grande parte das classes de comerciantes, artesãos e profissionais.
A cultura judaica florescia em Kovno, centro de atividade sionista e lar da yeshivá Slobodka, uma das instituições de ensino judaico mais prestigiadas da Europa. A população sustentava 98 organizações judaicas políticas, culturais e de previdência social; 40 sinagogas; quatro escolas judaicas, várias escolas iídiche e um hospital.
Com a perseguição nazista, as sinagogas e escolas de Slobodka, outrora visitadas por eruditos do mundo inteiro, ficaram em ruínas. Os artigos religiosos foram confiscados e o ensino foi proibido. Embora os alemães tenham exigido que todos os livros religiosos fossem entregues, os líderes religiosos do gueto criaram escolas talmúdicas secretas. Esconderam vários livros, e usavam esse material em sessões secretas de estudo.
Os nazistas acreditavam que poderiam destruir os judeus de Kovno e apagar as evidências do que aconteceu nesse gueto. Mas os alemães não levaram em consideração o espírito dos judeus aprisionados ali. Eles se esforçaram para manter as tradições culturais, documentando a perseguição em arquivos secretos que um dia serviriam para revelar sua história.
Luta incansável
Os habitantes do gueto lutaram para garantir que as gerações futuras viessem a saber o que tinha acontecido com eles, e como eles lutaram para sobreviver. Tanto por iniciativa própria quanto por instrução do Conselho Judaico do gueto, os judeus de Kovno usaram todos os meios disponíveis para documentar a tragédia, produzindo fotos, pinturas, desenhos e diários que foram escondidos de seus opressores.
Todo esse material revela experiências pessoais de sobrevivência e perda. Entre os mais de 530 objetos e quase 300 imagens recuperadas estão escritos de Avraham] Tory; trabalhos artísticos de Jacob Lifschitz e Esther Lurie; itens usados por líderes do gueto nas oficinas de trabalho para mostrar a utilidade da força de trabalho dos judeus; a carta de despedida do líder do Conselho Judaico, Dr. Elkhanan Elkes, para os filhos; e, o mais importante, as impressionantes fotografias de George Kadish, retratando a vida no gueto.
Personagens
Avraham Tory, um jovem advogado e, antes da guerra, ativista sionista, era administrador chefe do Conselho Judaico. Tory escreveu um diário desde os primeiros dias da invasão alemã até seu último dia no gueto. Trabalhando com outros membros do conselho e com artistas, ele reuniu depoimentos, faixas de identificações que eram colocadas nos braços de todos os judeus, trabalhos artísticos, instruções dos alemães, e os enterrou junto com seu diário em cinco caixotes de madeira. O diário foi usado como principal evidência no processo contra criminosos de guerra da Alemanha e Lituânia.
Tory escreveu: “Com temor e reverência, escondo nesse caixote o que escrevi, anotei e reuni com emoção e angústia, para que isso sirva como evidência – corpus delicti – e testemunho quando o Dia do Julgamento chegar, e com ele o dia da vingança e o dia do ajuste de contas”.
Antes da guerra, George Kadish era engenheiro e um ávido fotógrafo amador. Determinado a oferecer um registro visual da experiência no gueto, Kadish se aventurou na extremamente arriscada atividade de fotografar o dia a dia do gueto de Kovno. Os nazistas o proibiram terminantemente, e obter e revelar os filmes dentro do gueto era tão perigoso quanto tirar as fotografias.
Indômito, George Kadish aproveitou todas as oportunidades para documentar o cotidiano e, após sua fuga em 1944, os últimos dias do gueto. Os resultados constituem um dos mais importantes registros fotográficos da vida no gueto durante o Holocausto. Os retratos fotográficos de Kadish capturam a realidade da vida diária naquele lugar. Em junho de 1941, testemunhando a brutalidade dos primeiros pogroms, ele fotografou a palavra iídiche nekoma (vingança), encontrada gravada na porta do apartamento de um judeu que tinha sido assassinado – um último ato de protesto de um homem à beira da morte, escrito com seu próprio sangue. Às vezes, fotografando pelas casas de botão do casaco, Kadish registrava judeus sendo humilhados e atormentados por guardas alemães e lituânios, procurando comida contrabandeada, judeus arrastando seus pertences de um lugar para outro em carrinhos, ou trabalhando pesado.
Mesmo quando retratava condições tão severas da vida no gueto, ele não deixava de lado retratos dos moradores do gueto. Seus perfis de crianças trabalhando ou brincando são extremamente comoventes.
Em 1944, depois de escapar do gueto, Kadish fotografou a liquidação do lugar. Ele voltou novamente, depois que os alemães fugiram, para fotografar as ruínas, e os pequenos grupos de pessoas que sobreviveram aos últimos dias em esconderijos.
Após a rendição dos alemães, no dia 8 de maio de 1945, Kadish deixou a Lituânia com sua extraordinária documentação, e foi para a Alemanha, onde montou, na zona americana, uma exposição de suas fotos para sobreviventes que moravam em campos e pessoas deslocadas por causa da guerra. Morando atualmente na Flórida, Kadish doou uma parte substancial de sua coleção para o Museu da Diáspora Judaica, em Tel Aviv.
Os restos
Tory e Kadish são dois dos sobreviventes do gueto; a maioria pereceu. Em 1943, moradores do gueto descobriram que ele seria transformado num campo de concentração conhecido como “Campo de Concentração Kauen”. Muitos foram mandados para campos de trabalhos forçados adjacentes e para a Estônia. Os jovens começaram a fugir e entrar para grupos guerrilheiros que ficavam nas florestas, e os pais que relutavam em se separar de seus filhos procuraram abrigos para eles com famílias lituânias.
Em julho de 1944, duas semanas antes do exército soviético chegar, os alemães acabaram com o gueto e mandaram seus habitantes para campos de concentração. Dos mais de 30 mil judeus que moravam em Kovno antes do Holocausto, apenas três mil sobreviveram – um punhado em esconderijos subterrâneos, cerca de 500 em florestas ou com lituânios que os salvaram, e por volta de 2.500 em campos de concentração na Alemanha.
Matéria publicada na edição da revista História Judaica publicada pela Editora Kadimah.
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